Um abismo muito grande separa os rendimentos da população dos elevados preços das casas, uma discrepância que lança um véu sombrio sobre o futuro das gerações mais jovens, cujas vidas se veem hipotecadas pela impossibilidade de arrendar uma habitação.
A necessidade de manter o foco no cerne da questão impõe-se, compelindo-nos a procurar soluções tangíveis. Desviar o olhar para interpretações ideológicas, embora legítimas, mas destituídas de pragmatismo, arrisca-se a transformar o debate num mero exercício de entretenimento, desprovido de contribuições efetivas para derrubar as barreiras entre os que estão dentro e os que estão fora do mercado.
No período compreendido entre 2012 e 2023, os estrangeiros que adquiriram propriedades através do regime dos vistos Gold representaram uma ínfima fração das transações imobiliárias, não ultrapassando meio por cento (1.033 transações/ano entre 2012 e 2023). Independentemente do que se possa pensar sobre tal regime, o seu fim não trará qualquer contributo para a resolução da crise habitacional que nos assola. Da mesma forma, a sua existência não agravou os contornos do problema.
O regime de incentivo fiscal para residentes não habituais, segundo a autoridade tributária, contemplou entre 2009 e 2023 um número médio de 5.300 contribuintes/ano. Ou seja, poderá discutir-se, analisar-se e contemplar-se muitas teses, no entanto nenhuma deverá responsabilizar esse programa como o culpado do sucedido na habitação.
Outro desvio da realidade é afirmar que há uma crise na habitação porque os imóveis foram direcionados para o alojamento local. A generalidade das atividades comerciais precisa de um espaço imobiliário para se desenvolver, aquelas cuja atividade assenta no comércio de alojamento utilizam imóveis habitacionais. Concluir que essas atividades, que foram as grandes responsáveis pela revitalização de zonas e regiões praticamente abandonadas, sequestraram a oferta habitacional levando a falta de casas, não tem correlação com a realidade.
Em Portugal não existem casas para toda a população porque nos últimos dez anos, foram construídas e/ou reabilitadas menos 700 mil habitações, comparativamente à década anterior. Não há casas porque nessa última década, o número de imigrantes duplicou. Imigrantes imprescindíveis à nossa sociedade e ao nosso desenvolvimento e que naturalmente foram absorvendo o parque habitacional de baixo valor, disponível.
Não existem casas porque a burocracia, a carga fiscal e a indefinição de prazos de decisão de projetos no âmbito da construção têm afastado aqueles cujo talento, vontade, profissão, seria edificar casas.
Para resolver o problema, é imperativo que o governo invista na reconversão do património estatal em habitações a custos controlados. O envolvimento do setor privado e a manutenção dos custos sob controlo exigirão, inevitavelmente, o apoio financeiro do Estado.
Num momento tão crítico, sobrepor questões ideológicas ao pragmatismo e respetivas soluções, talvez não seja o mais eficaz. As soluções, quaisquer soluções, todas as que até agora foram apontadas e outras que possam surgir, irão custar dinheiro. Vale a pena, entretanto, o país privar-se dos seus recursos financeiros? É sensato sacrificar a robustez do turismo, é prudente sacrificar o investimento estrangeiro e privado? É óbvio que o turismo não deve descaracterizar os aspetos que estão na sua génese tal como é obvio que Portugal não pode ser um alojamento local gigante. As especulações e ideologias em torno da habitação não podem sequestrar a realidade e muito menos as urgentes soluções.