Hugo Santos Ferreira
Hugo Santos Ferreira
Presidente da APPII

NZEB em 2030: ficção ou realidade?

27/10/2021

Merece especial atenção e preocupação a obrigação dos novos edifícios terem de passar a ser “near zero” até 2030, ou mesmo a obrigação de os renovar energeticamente aquando de um novo arrendamento ou de uma renovação.

Se por um lado, é verdade que a construção é uma das atividades em que a pegada de carbono é maior e em que os edifícios são responsáveis por 40% do consumo de energia na UE e por 36% dos gases com efeito de estufa e que 75% do parque edificado europeu é ineficiente energeticamente e ainda que apenas 1%/ano dos edifícios é objeto de obras de melhoria, também é verdade que toda a fileira está comprometida e empenhada, como aliás não poderia deixar de ser e de se esperar de empresas e empresários responsáveis, em atingir a meta da neutralidade carbónica na Europa e a melhoria do desempenho energético do nosso edificado.

Porém, pensemos em 2030... É amanhã! Rever processos e procedimentos num escasso período de nove anos, especialmente num sector cuja atividade se equaciona a 5, 10, 15, 20 anos, pode ser difícil, mesmo irrealista. Daí perguntarmos: esta meta e este prazo é para se considerar como verdadeiro e credível?

É que paralelamente a estas novas exigências, que são de saudar obviamente repito, não vemos qualquer tipo de ação pública, quaisquer medidas para as viabilizar, para em último caso criar contrapartidas ou compensar quem terá de as aplicar e tornar uma realidade.

Exige-se prudência no sentido de que estas metas sejam realistas, exequíveis e que acima de tudo não inviabilizem o esforço que temos vindo a desenvolver para a criação de habitação acessível e dinamização do inexistente mercado de arrendamento.

É que se para o imobiliário residencial de classes altas o problema não se coloca, já que a totalidade dos edifícios novos ou reabilitados têm um alto desempenho energético, com níveis de eficiência excelentes, a questão passa a ser problemática com a viabilização de projetos residenciais para a classe média. É precisamente aqui que se exige a criação de ajudas, mecanismos de compensação e formas de viabilizar estas novas exigências, especialmente porque falamos de um sector já muito sobrecarregado com o aumento do custos das matérias-primas e dos custos de construção, de um sector que é vítima de uma carga fiscal excessiva e crescente, onde os custos de contexto, nomeadamente burocracia, atrasos nos licenciamentos, instabilidade legislativa e fiscal, ou a escassez de terrenos e edifícios disponíveis para construir ou reabilitar, fazem aumentar ainda mais os custos de produção e inviabilizam o arranque de muitos projetos para a classe média.

Há que criar as condições, incentivando, mais projetos imobiliários verdes. Uma boa solução seria criar linhas de financiamento bonificado alternativo verde, ou a dinamização do mercado de Green Bonds, tão em voga na Europa, tanto pela via privada do mercado de capitais, como pela via pública através da canalização dos fundos do Pacto Ecológico Europeu, PRR, ELPRE e do Banco de Fomento.

Temos também que readequar as leis nacionais às novas exigências europeias. Não podemos ter uma imposição comunitária que nos obrigue a adotar mais soluções fotovoltaicas quando a regulamentação nacional de muitos centros históricos a proíbe e tão pouco podemos ter a obrigação europeia de instalação de carregadores elétricos em todos os estacionamentos quando leis internas praticamente a inviabilizam.

É que se nada for feito em matéria de política pública e de apoios estatais, tanto pela via fiscal, de apoios financeiros, como legislativa, estas metas serão (mais uma vez) pura ficção, com a agravante de vários projetos habitacionais acessíveis aos portugueses não chegarem a ver a luz do dia. Ora, menos projetos novos será também igual a menor desempenho energético do edificado, o que significará o fracasso total deste desígnio nacional e o europeu. Cá estaremos para ver…