Hugo Santos Ferreira
Hugo Santos Ferreira
Presidente da APPII

Pacote “Mais Habitação” = Menos Arrendamento

15/03/2023

É importante relembrar que o ingrediente mais importante da economia deve ser a confiança e, ao dia de hoje, quase tudo o que o programa preconiza arrasa a lógica do investimento no mercado e introduz a habitual ineficácia do Estado em quase todos os processos do ciclo imobiliário, difundindo a ideia de que os privados devem assegurar a Função Social do Estado no setor do arrendamento.

O selo de reprovação de todos os players do setor, e inclusive de várias câmaras municipais, ao programa deveria servir de sinal ao governo de que este é um pacote aquém do necessário para efetivamente aumentar a oferta de arrendamento de forma sustentável e promover a construção de mais habitação para portugueses. Infelizmente tudo indica que estas sugestões e opiniões partilhadas nos últimos dias serão ignoradas visto que foi dado um prazo de dois dias para o Governo avaliar as opiniões fundamentadas ao programa populista.

A instabilidade fiscal e legal e a falta de coerência regulamentar têm um impacto negativo na atração de investidores, prejudicando a credibilidade do país e o efeito imediato das medidas apresentadas pelo governo foi o adiamento imediato de vários investimentos previstos para 2023 e 2024.

Os grandes promotores imobiliários, nacionais e estrangeiros, não vêem ainda vantagens em apostar no arrendamento, pelo que há que assegurar a criação de um programa estável de incentivos à nova oferta para tornar este investimento financeiramente viável e atrativo em grande escala.

O reforço da oferta deverá vir essencialmente da iniciativa privada, e as políticas públicas devem ser desenhadas para remover os obstáculos ao aumento e melhoria da oferta, e não fomentar uma visão de defesa excessiva dos inquilinos.

É importante relembrar que foi através de medidas como congelamento das rendas que o mercado português de arrendamento foi dizimado por completo nos anos 80, assim como em outros mercados europeus onde semelhantes medidas foram implementadas sem sucesso (Berlin e Barcelona e são alguns casos conhecidos onde o congelamento reduziu a oferta existente no mercado e por aumentar os preços).

Apesar de ser de saudar a cedência pelo Estado de terrenos para habitação e intenção de simplificação dos processos de licenciamento, são internacionalmente conhecidas as ineficiências administrativas do Estado o que deixa a crer que as entidades públicas não terão capacidade de resposta e o pacote de medidas acabará por ser irrealizável.

De relembrar que os anteriores programas públicos anunciados pelo governo falharam, entre os quais o Programa de Arrendamento Acessível (renomeado Programa de Apoio à Renda), Chave Na Mão, e a Habitação Vitalícia.

O apoio do governo é fundamental para a captação de investimento e, em grande parte, passa pela transferência da, até então, Função Social dos senhorios para o Estado. O Estado deveria retirar a proibição de término de contratos antigos e qualquer limitação ao valor de rendas, e promover justamente a subsidiação dos inquilinos com uma taxa de esforço igual ou superior a 35%, em linha com o limite de elegibilidade do Programa.

No entanto, a realidade é que a experiência passada e o atual programa trazem um sentimento de expropriação dos rendimentos que os investidores legitimamente esperavam, associado a uma ausência de liberdade de livremente dispor dos seus bens. Os contratos de arrendamento chamados na gíria de “vinculísticos” criaram uma forte desvalorização no parque habitacional português e enquanto os investidores não sentirem segurança não vão voltar a investir.

Esta credibilização e promoção do arrendamento só será possível com uma real demonstração da vontade do governo em resolver um tema estrutural do país, através de um aumento da oferta pública de ativos devolutos detidos por entidades públicas, de uma avaliação das contrarreformas introduzidas nos últimos anos, e de estabilização do regime jurídico e fiscal do setor. De reforçar que a promoção do setor deve ser feita e discutida em parceria com os stakeholders de maior relevo no setor e não em sede de partido.