Paulo Caiado
Paulo Caiado
Presidente da Direção Nacional da APEMIP

Em Portugal, cada ano, 90% das casas vendidas são usadas

31/07/2024

Portanto, atribuir a subida de preços de uma forma simples à especulação é o mesmo que dizer que os portugueses são maioritariamente os culpados pelo problema da habitação em Portugal e talvez não seja isso que se passa.

Tal como ter culpado os Vistos Gold pela subida de preços, ignorando que em dez anos em Portugal foram transacionados um milhão e meio de casas e que nesse mesmo período, ao abrigo dos Vistos Gold, foram transacionadas doze mil habitações. 

Igualmente, também não é correto culpar o alojamento local pela subida de preços. Basta percebermos a quantidade de lugares onde não há qualquer alojamento local e os preços são profundamente inacessíveis. 

Este tipo de culpabilização talvez sirva para saciar algumas ideias políticas, mas não serve para termos mais casas com preços acessíveis para grande parte da nossa população.

Há um outro dado relevante: quando temos cerca de 70% das famílias portuguesas proprietárias de um imóvel e quando sabemos que entre 2018 e 2024, de forma geral, a média nacional de valorização do parque habitacional foi de 50%, isto é o mesmo que dizer que 70% das famílias portuguesas são hoje proprietárias ou dispõem de um valor patrimonial que valorizou 50%. Talvez essas famílias não tenham interesse em aceitar a desvalorização das suas poupanças.

Segundo o INE, no 1.º trimestre do ano, o preço mediano de alojamentos familiares em Portugal foi 1.644€/m2, e, atualmente, em Portugal, dificilmente se constrói uma casa abaixo de 1.600€/m2, sem contar com o custo do terreno. 

É um facto que são necessárias muito mais casas e a preços acessíveis, o que só será possível com a intervenção do Estado, que tem ao seu dispor algumas “ferramentas” que o podem permitir, como a disponibilização de terrenos e a estrutura fiscal que incide sobre a construção.

Também a estrutura fiscal de tributação das mais valias em habitação própria e permanente deve ser repensada, uma vez que não faz qualquer sentido continuar a incentivar as pessoas a procurarem uma casa de valor superior à que venderam como meio para usufruir da isenção. 

Já conhecemos “alturas” onde algumas “faixas” do mercado se caracterizavam por base especulativa, como o que vivemos antes de 2009. À época, muitos bancos incentivavam as pessoas a contraírem financiamentos hipotecários superiores ao valor das casas, o que se veio a revelar catastrófico.

Hoje, de facto, o valor das casas nada tem a ver com isso. 63% das famílias proprietárias de um imóvel tem a sua casa paga e as restantes 37% têm em média um valor em dívida inferior a 68.000€. Quando alguém que tem uma casa e decide vendê-la, tem um proveito financeiro muito maior para enfrentar nova aquisição (todo aquele que resulta da valorização das casas.)

É claro que a valorização das casas tem gerado grande exclusão habitacional, principalmente para aqueles que não têm qualquer casa, sendo que é crítico procurar soluções. Os baixos rendimentos da generalidade da população portuguesa estão a tornar cada vez maior a barreira do acesso à habitação.

O Estado tem de aumentar a oferta de habitação pública e implementar um novo segmento de mercado com preços controlados, onde as contrapartidas propostas têm como exigência preços acessíveis, e só o conseguirá fazer com o envolvimento do setor privado.