Luis Lima
Luis Lima
Presidente da APEMIP

Precipício: ir em frente ou recuar

03/03/2021

Em março de 2020, fui uma das primeiras pessoas a falar da necessidade de introdução de moratórias de crédito e aplaudi a sua célere implementação, bem como a sua extensão até setembro. No entanto, a falta de adequação deste mecanismo à realidade atual e a ausência de um plano de recuperação para as famílias e empresas, bem como a ideia de que o prolongamento deste instrumento para além de setembro será pensado apenas para alguns sectores de atividade é uma falha gravíssima naquele que é o papel social que o Estado deveria desempenhar na defesa das pessoas e do tecido empresarial.

Inicialmente, as moratórias foram pensadas considerando 2021 como um período de retoma económica, e não de agravamento como está a acontecer.

Esta segunda fase de desconfinamento está a prolongar-se por mais tempo do que seria desejável, com impacto real nas empresas, independentemente da sua área de atuação, e consequentemente na estabilidade laboral e financeira das famílias, muitas das quais enfrentarão dificuldades em conseguir retomar o pagamento das prestações de crédito, quer por situação de desemprego, quer por quebra de rendimentos do agregado.

Na minha opinião, as circunstâncias deveriam ser avaliadas caso a caso. No caso das empresas, as moratórias deveriam ser estendidas para quem comprove quebras de faturação, mantendo a suspensão do pagamento do capital, mas não dos juros. Seria uma medida justa, que garantiria o apoio a empresas, permitindo não só a sua sobrevivência, mas também a manutenção dos postos de trabalho.

Por outro lado, e no que diz respeito ao crédito à habitação, seria desejável aguardar por uma melhoria da situação económica, para um período em que as famílias consigam assumir o compromisso que têm com bancos, pois neste momento há muita gente aflita, tal como aponta a Deco, que fala de um aumento em pedidos de ajuda e de uma quebra significativa do rendimento médio das famílias, de 1100 para 860 euros mensais.

Já tivemos uma experiência traumática no passado, e há que evitar a todo o custo um cenário em que as famílias deixam de conseguir pagar as suas prestações de crédito, entregando os seus imóveis aos bancos, que ficarão com o crédito malparado em mãos e recolocarão os ativos no mercado a qualquer preço para normalizar os seus fluxos financeiros. Este cenário de desvalorização forçada dos ativos acabará por contaminar o sector imobiliário, que depois terá um efeito de arrasto a muitos outros sectores.

Felizmente, recentemente há mais olhos virados para este tema e mais gente a compreender a necessidade de garantir o prolongamento das moratórias s pessoas e às empresas, independentemente da sua área de atuação, pois não podemos aceitar um cenário de “discriminação sectorial”, num período tão difícil e transversal a toda a sociedade.

Mas já é março e setembro estará aí num abrir e fechar de olhos. A decisão do prolongamento e sua comunicação deve ser feita o quando antes, para que consigamos dar um passo atrás ao invés de em frente perante o precipício que se adivinha.