Tiago Eiró
Tiago Eiró
Diretor Geral da Eastbanc em Portugal

O problema da habitação em Portugal

13/03/2023

O documento apresentado é escasso em justificar cada um dos seus pontos e, no entender de muitos que o têm comentado, deficitário em medidas acertadas ou justificações para cada uma.

O problema é grave e merece a nossa atenção, reflexão e contributo. Afeta os portugueses, especialmente as classes menos favorecidas, os idosos e os jovens. Trata-se de um grande desafio nacional, que implica, agora, um grande esforço de recuperação, devido a décadas de políticas menos acertadas ou incapacidade de contribuir para a promoção de mais habitação, nomeadamente no arrendamento.

Numa reflexão ao Programa Mais Habitação, considero que os temas mais relevantes são a estabilidade legislativa e fiscal, o fim dos "vistos gold", o término antecipado do alojamento local, o investimento, nomeadamente estrangeiro e direto à propriedade, os apoios para incentivar mais promoção, medidas específicas para jovens, a Lei do Arrendamento e a diminuição da burocracia e dos prazos de licenciamento urbanístico:

  • Começando pela estabilidade legislativa e fiscal, reforço que é necessário consistência e estabilidade nas questões legislativas e fiscais, pois estes são fatores críticos para a atração de investimento, nacional ou internacional. Os sucessivos anúncios de alterações legislativas e fiscais não oferecem confiança aos investidores, sobretudo aos investidores estrangeiros.
  • O anúncio do eventual fim da concessão dos "vistos gold" também não é compreensível, sobretudo quando não fundamentado. Depois das alterações em 2022 com as restrições em Lisboa, no Porto e zonas costeiras, mais alterações agora nunca são boas. Na última década (de 2012 a 2022) o investimento em Portugal por esta via foi de €6.7 mil milhões, gerou emprego, deu um grande contributo para que o nosso país ultrapassasse a crise anterior e para a reabilitação do nosso património. Os estrangeiros representam uma fatia pequena do mercado imobiliário e essa fatia não tem capacidade para influenciar nem preços nem procura: os vistos gold representaram apenas 1.000 das 160.000 casas transacionadas em 2022 e têm naturalmente maturidade para evoluir, nunca para acabar.
  • Por outro lado, a hipótese da reavaliação em 2030 e a cada cinco anos daí para a frente das licenças de alojamento local em todo o país é uma medida precipitada e que, mais uma vez, vai trazer uma quebra de confiança e de investimento. Esta é uma competência local das autarquias e deve ser analisada e decidida localmente.
  • Já a limitação das rendas por decreto também é errada, pois o mercado de arrendamento necessita é de incentivos que estimulem os proprietários e investidores a colocarem mais imóveis no mercado, que deve ser mais flexível e capaz de se ajustar rapidamente às flutuações da oferta e da procura.
  • O investimento em imobiliário, por parte de particulares ou empresas, foi sempre muito expressivo em Portugal, e não foi exceção no grande esforço e sucesso na reabilitação dos centros das nossas cidades, desde a crise de 2008 e subsequentes anos. Neste sentido, o investimento estrangeiro, nomeadamente em habitação, permitiu a entrada de muito capital em Portugal e ajudou também a que hoje o endividamento não seja ainda maior. O governo deveria, também por isso, fazer dos estrangeiros parte da solução e não do problema. Estrangeiros que investiram o seu dinheiro e pagaram os impostos devidos, ajudaram na reabilitação dos centros históricos, criaram riqueza e asseguraram empregos: empreiteiros, subempreiteiros, mediadores, advogados, contabilistas, notários, empregados de mesa, cozinheiros, gestores de condomínios, projetistas, numa lista de beneficiados imensa. Se os preços das casas subiram, foi resultado do sucesso da procura pelo nosso país que hoje supera a oferta que conseguimos colocar no mercado. A mensagem que se passa para o estrangeiro, de onde vem o investimento que tanto precisamos, é de que os estrangeiros já não são bem-vindos ao país - esta é a mensagem que o governo emitiu para o mundo inteiro e que já está a começar a provocar estragos.
  • Quanto aos apoios para mais promoção, atuação do Estado ou medidas mais específicas para jovens, na última década foram produzidos pouco mais de 168.000 fogos, em comparação com as duas décadas anteriores em que foram produzidos cerca de 1.100.000 fogos (entre 1991 e 2000) e 980.000 fogos (entre 2001 e 2010). Em 2022, construímos um terço do que construímos em 2008, o ano em que se iniciou a crise financeira. Por outro lado, das 160.000 casas transacionadas em 2022, apenas 11% foram construção nova. Há, muito por esta razão, um desafio crescente em termos de acessibilidade à habitação, que cada vez deixa mais jovens e famílias sem capacidade para adquirir casa, sendo que não se vê neste pacote de medidas algumas que favoreçam a aquisição de habitação pelos jovens.
  • Quanto à Lei do Arrendamento, as alterações de 2012, pelo governo do PSD, incentivadas pelo programa da Troika, foram um dos fatores chave para que muitos senhorios e promotores iniciassem processos de reabilitação de imóveis, marcando o princípio de um processo de revitalização das zonas históricas de Lisboa e de outras cidades do país. Desde então, muitas têm sido as alterações às leis do arrendamento que têm prejudicado o mercado. É necessário recuperar a confiança dos senhorios e dos promotores na legislação de arrendamento, que continua a mudar e a não prever adequadamente os interesses dos senhorios, para que estes coloquem os seus imóveis no arrendamento de forma livre. A instabilidade e a alteração das leis ao longo dos anos só tem contribuído para que ainda hoje tenhamos milhares de pessoas a viver em situações degradantes, em casas em edifícios a cair, resultado dessas leis de arrendamento inadequadas. O Estado empurrou para os senhorios a sua função social durante anos e continua a fazê-lo.
  • Em relação à diminuição da burocracia nos processos de licenciamento urbanístico, as alterações anunciadas não vêm acrescentar grande coisa, pois a lei já prevê prazos curtos que não são cumpridos pelos municípios e pelas entidades que participam nos licenciamentos urbanísticos. A lei já é clara quanto à responsabilidades e prazos de licenciamento, apenas não é cumprida.

Há também que realçar que não estamos a conseguir fazer mais casas que os portugueses possam pagar porque não trabalhamos do lado da oferta, no sentido em que não temos tido, até agora, medidas necessárias e corajosas que baixem o custo da habitação. Temos que baixar a carga fiscal: não podemos ter o Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) nos terrenos da habitação, nem o IVA na construção nova a 23%.

Em termos comparativos, a carga fiscal que incide sobre habitação é de 30% a 40%, enquanto em Espanha é de aproximadamente 10%. E mais: Portugal é dos poucos países na Europa onde o IVA na habitação não é reduzido nem dedutível. Com a carga fiscal e todos os custos de contexto atualmente existentes, tem sido muito difícil construir habitação acessível, tanto pela via privada como pela pública, como já se começa a verificar.

O Programa Mais Habitação, agora anunciado, pretende com as suas medidas: aumentar a oferta de casas no mercado, tornar os licenciamentos mais simples e céleres, criar um mercado de arrendamento maior, contrariar a especulação e apoiar as famílias mais carenciadas. Tudo isto parece fazer sentido, apenas a forma de lá chegar parece estar a dividir a sociedade. Nesse sentido, é importante existir algum consenso e a noção clara por parte do governo de que todas as medidas que retirem confiança dos investidores não vão resultar, principalmente pela maior parte das mudanças indicarem que o seu investimento vai ter um final menos bom. E esta instabilidade é tudo o que não se pretende quando o objetivo é aumentar a oferta de casas no mercado de várias formas.

Os promotores e investidores imobiliários querem ser parte da solução, e estão totalmente disponíveis para investir na construção de novas casas, assim sejam criadas as condições mínimas para isso.