Carlos Suaréz
Carlos Suaréz
Administrador da VICTORIA Seguros

Programa + Habitação em Espanha…apliquemos a teoria da Relatividade!

24/05/2023

A Lei pelo Direito à Habitação foi aprovada no conselho de ministros em fev. 2022, e demorou mais dum ano até ser aprovada no congresso dos deputados, no dia 27 de abril 2023, com 176 votos favoráveis e 167 contra, evidenciando a falta de consenso político (e não só), em relação ao seu texto. Tramitada no senado na passada quarta-feira, dia 17 de maio, e pendente de publicação no diário oficial (BOE) para entrada em vigor imediata, a Lei tem como objetivos declarados impulsionar a habitação pública (nomeadamente para aluguer), limitar, conter ou reduzir os preços no mercado de arrendamento de zonas tensionadas pelos preços, favorecer o acesso dos jovens à primeira habitação, equilibrar as relações entre senhorios e inquilinos, proteger os coletivos vulneráveis em situação de despejo e definir os termos “grande proprietário” e “habitação vazia”.

Esta tentativa de descarado intervencionismo e abusiva ordenação do setor (os outros objetivos parecem palidejar face ao verdadeiro intuito desta iniciativa) deverá contar, para sua efetivação, com a aquiescência de comunidades autónomas e câmaras municipais –que detêm as competências em matéria de habitação – algo que não parece estar, de todo, garantido. No sentido contrário, as reclamações dos senhorios pelos danos patrimoniais causados pelo estado via as limitações ao arrendamento e ao direito à propriedade privada, essas, sim, diria estarem asseguradas.

Feito o enquadramento e assumindo a falta dum quórum real na matéria, vale a pena analisar as medidas não parecem fazer qualquer sentido, p.e, definição de zona tensionada. Para que um território seja declarado pelas administrações competentes como zona sob tensão durante um min. de 3 anos, deverá ter acontecido uma de duas coisas: o custo médio de habitação (hipoteca ou aluguer) supere em 30% o rendimento médio; ou, no último lustro, o preço de venda ou arrendamento médio tenha ultrapassado em mais de 3pp o IPC. Visto desde outra perspetiva, e contando com os últimos dados disponíveis, 13 milhões de fogos (dum total de 18,9) encontram-se em zonas tensionadas… e é aqui onde o estado pretende cercear a livre concorrência (aplicando índices de preços obrigatórios na renovação dos contratos de arrendamento) e a liberdade contratual (impedindo, para os novos arrendamentos, também limitados no preço, acordos entre partes que exibam divergência desses índices ou incorporação doutros elementos que possam incrementar o preço do aluguer). Alguém deve andar muito distraído ou, então, pensa que o mercado de arrendamento espanhol – 3,1 milhões de fogos em mãos de particulares dum total de 3,4 – é um oligopólio. Os juristas vão divertir-se!

Outra medida que não parece ter sido devidamente ponderada é a do aumento do imposto sobre os bem imóveis (IMI) até 150%, no caso de habitações desocupadas (mais de dois anos) e proprietários com mais de quatro fogos no mesmo município. A intenção dalgum iluminado deverá ter sido incentivar o arrendamento das casas vazias, mas, na prática (e assumindo que não exista alienação do imóvel), é mais provável que o proprietário se revolva contra o descomedimento do governante autonómico ou local e exija que o seu direito à propriedade seja salvaguardado. Para acompanhar o disparate e aprofundar a sensação de irrealidade, a nova Lei pelo Direito à Habitação proíbe incrementos dos arrendamentos atuais para além dos 2% em 2023 e 3% em 2024, desvinculando a hipótese de aumentos futuros da evolução do IPC. Isto quando, nos últimos doze meses, o preço do aluguer médio (zonas tensionadas e não tensionadas) incrementou em 9pp. Enfim… mais matéria para os doutores em direito!

Não conto com espaço editorial suficiente para elencar outras medidas igualmente estapafúrdias (p.e. obrigar o senhorio a pagar as despesas de gestão e formalização contratual com a agência imobiliária, no caso do arrendamento; ou o recurso obrigatório a procedimentos de resolução extrajudiciais, nalguns casos de despejo), mas não é preciso adicionar mais nenhum ingrediente para perceber que estamos perante uma receita conducente à redução da oferta (existente e futura, por via dos investimentos irrealizados) no mercado de arrendamento, precisamente o contrário do pretendido. Francamente perturbante!

A modo de corolário, resta-me apenas concordar com aquela frase (presuntivamente) atribuída ao Einstein de que “tudo é relativo”. Avaliada por comparação, a proposta legislativa do nosso governo, em relação ao programa Mais Habitação, nem está assim tão mal. Meu Deus!