Cátia Brito
Cátia Brito
Gestora da Direção de Sistemas de Gestão e Certificação da ADENE

Prontos para os 55?

29/06/2022

Assim, e de forma a garantir que os Estados-Membros (EM) se mantêm alinhados com este objetivo, surge o Fit for 55 Package que consiste na revisão de um pacote de diretivas europeias, entre as quais se destaca a Energy Performance of Buildings Directive (EPBD), revista em 2018 e transposta para a legislação nacional a 1 de julho de 2021.

Ainda em discussão pelos EM, a proposta de nova revisão da EPBD (agora no âmbito do Fit for 55) traz algumas novidades que, em função da respetiva transposição para a legislação nacional (que se estima ocorra em 2023 ou 2024), terão certamente impacto no setor dos edifícios.

Mas vamos por partes. Existem quatro eixos de intervenção sobre os quais se pode, desde já, perspetivar que a futura Diretiva se irá desenvolver, nomeadamente: (1) Renovação dos edifícios; (2) Descarbonização; (3) Modernização e integração de sistemas e tecnologias inteligentes; e (4) Modelos de financiamento.

O incentivo à renovação (eixo 1) arranca com a proposta de adoção de padrões mínimos de desempenho energético para todos os edifícios, cujo cumprimento será obrigatório para colocação no mercado de venda ou arrendamento. Uma medida ambiciosa, mas essencial para garantir o cumprimento das metas e a descarbonização da totalidade do parque edificado. Em paralelo, é proposta uma escala única de desempenho energético, de A a G, uniformizando assim a informação dos certificados energéticos de todos os EM. A Comissão Europeia propõe que, a partir de 2027, os edifícios não residenciais com classes de desempenho energético inferiores a F apenas possam ser comercializados após a realização de obras de reabilitação que permitam a subida de classe. Em 2030, esta regra deve passar a abranger todos os edifícios, incluindo os residenciais.

Com impactos no mercado imobiliário e no setor da construção, esta proposta obriga a que os EM apoiem os proprietários através de ações estratégicas, que devem ir além do acesso ao financiamento. A literacia energética, o apoio técnico, o aumento da mão-de-obra qualificada e o reforço de técnicos no mercado, são mecanismos essenciais para a concretização desta proposta. A literacia energética, aliada a um mercado capacitado e adaptado às necessidades da procura, devem ser desde já antecipadas para que a transposição desta proposta da diretiva seja exequível.

Os passaportes de renovação dos edifícios, são também uma novidade que os EM devem colocar em prática. Para cada edifício com necessidades de reabilitação, é criado um passaporte de renovação que tem como objetivo definir um roteiro para a sua renovação. Este contém informação sobre as medidas de melhoria a implementar, bem como a sua calendarização no tempo, ficando o proprietário com um roteiro para reabilitação. À semelhança dos certificados energéticos também o passaporte de renovação deve ser emitido por Peritos Qualificados e será um documento chave para o financiamento à renovação profunda: os programas de incentivo deverão basear-se no passaporte para a potenciar, de forma gradual e num período de tempo adaptado às necessidades do edifício e ajustado à realidade dos proprietários.

No que refere à descarbonização (eixo 2), é objetivo da Comissão Europeia eliminar o conceito NZEB (Nearly Zero Energy Building) e adotar o conceito dos edifícios ZEB (Zero Energy Building) ou seja, de quase zero, a zero e mudando o foco da energia para a descarbonização. A nova redação da diretiva aponta para que, já a partir de 2027, os edifícios novos não residenciais sejam concebidos para serem edifícios ZEB, sem emissões de carbono provenientes de combustíveis fósseis no local, e a partir de 2030 esta exigência abranja também os edifícios residenciais. Com cada vez mais exigências ao nível do desempenho energético, os edifícios novos requerem uma análise das condições do desempenho energético logo numa fase inicial do projeto de arquitetura, o que vem reforçar a relevância da capacitação destes e de outros técnicos envolvidos.

Outras propostas do eixo da descarbonização passam pela eliminação do financiamento a combustíveis fósseis e pela criação de um indicador do Potencial de Aquecimento Global do Edifício, este último a constar no certificado energético como informação ao cidadão sobre a pegada carbónica do edificado, contribuindo para uma escolha mais informada e sustentada.

No que refere à modernização e integração de sistemas (eixo 3), aumenta a exigência com a criação de mais infraestruturas e mais postos de carregamento para veículos elétricos e a obrigação de prever estacionamento para bicicletas. Também ao nível dos sistemas de automação e controlo dos edifícios (SACE) é antecipada em 1 ano, para 2025, a obrigação de instalação deste tipo de sistemas em todos os edifícios com potência nominal superior a 290kW. É também objetivo da Comissão Europeia que esta obrigação se alastre a todos os edifícios com mais de 70kW a partir de 2030, o que implicará também um reforço da resposta do mercado ao nível dos técnicos habilitados para a elaboração destes projetos e realização da instalação.

A criação de um indicador de aptidão do edifício para as tecnologias inteligentes, o SRI, é também tema nesta proposta da diretiva. Este indicador tem como objetivo incentivar a implementação de tecnologias inteligentes de modo a adaptar o funcionamento do edifício às necessidades dos ocupantes e à rede, como forma de melhorar a eficiência energética e o desempenho global. É expetável que a Comissão Europeia avance, em 2026, para a adoção obrigatória deste indicador em edifícios não residenciais com potência superior a 290kW.

O financiamento (eixo 3), fecha o ciclo dos eixos de intervenção e permite a operacionalização das medidas propostas. Irá avançar-se para modelos sustentáveis e de alívio da pobreza energética, com programas assentes nos passaportes de renovação e no conceito de renovação profunda, tendo o certificado energético como peça central de controlo e monitorização da execução dos programas.

Da transição energética à descarbonização, o combate às alterações climáticas passa pelo reforço da exigência sobre os edifícios. A próxima EPBD será um instrumento fundamental para nos fazer avançar para outro nível nesse combate. Temos de apontar para edifícios renovados, descarbonizados e tecnologicamente inteligentes, totalmente adaptados às atuais necessidades, sem comprometer as futuras. O desafio é grande e está já aí, resta-nos estar “prontos para os 55”.