Em Portugal as casas estão muito caras:
-Com significado, porque construíram-se e reabilitaram-se muito menos (- 100.000 / ano) do que em anos anteriores.
-Com significado, porque os necessários fluxos de imigração dos últimos anos (cerca de 40.000 / ano nos últimos 6 anos) absorveram parte significativa da oferta de baixo valor para a arrendamento.
- Com significado, porque os licenciamentos e impostos associados à construção e reabilitação têm afastado esta área de empreendedorismo.
- Com significado, porque o ziguezague jurídico e fiscal associado ao arrendamento tem “esmorecido” aqueles que poderiam trazer maior entusiasmo a esta atividade.
Estes quatro aspetos são comumente aceites como os principais responsáveis pela crise habitacional que a todos afeta. Mas, nenhum deles tem grande relevância com o valor dos nossos votos.
Pelo contrário, sem relevância significativa no que à crise da habitação diz respeito, mas muito valorativas de votos, temos:
- Fim dos vistos dourados, com grande impacto comunicacional, a ideia de que aparece um cidadão chinês com muito dinheiro que escapou aos processos de “compliance” do SEF, dos bancos, dos advogados, dos
promotores, das imobiliárias e dos notários e que com dinheiro de origem duvidosa, comprou uma casa pressionando em alta os preços das casas acima de meio milhão de euros que representaram 0,6 % das transações numa década e tiveram impacto nulo no tema dos preços, alta depreciação da atividade económica (7.000 milhões de euros numa década), mas elevadíssima “cotação” nos votos de todos os que naturalmente não conhecem o detalhe do que realmente representou o programa;
- Arrendamento coercivo, que forçará “a classe social” dos proprietários a alocar os seus imóveis ao tão necessário mercado de arrendamento. Com expressão quase nula, no que ao incremento de casas para arrendar diz respeito, tem seguramente nota máxima na sua capacidade para atrair votos, de resto é elucidativa a demonstração de coragem e firmeza onde não faltou a alusão de que – “se não vai a bem, então terá de ser assim...”;
- Fim do alojamento local nos concelhos de elevada densidade, quase caracterizada como atividade de integridade duvidosa, desde logo levada a cabo pela suspeita classe social de proprietários, responsável pela descaracterização dos bairros históricos de Portugal e sonegadora de casas para o mercado de arrendamento de longa duração. O número de licenças atribuídas é de 108.000, o número de licenças ativas é, segundo as plataformas que executam o arrendamento destas casas, cerca de 40.000. O impacto no aumento de casas para arrendar será seguramente residual, o impacto na recuperação de imóveis abandonados pelo País fora, muito significativo, nos votantes que precisam de arrendar uma casa seguramente muito expressivo;
- Fim do regime de benefícios fiscais para residentes não habituais, a cereja no topo do bolo das medidas que valorizam os votos dos Portugueses. Afinal todos pagamos impostos, a ideia de que uns senhores idosos, oriundos do norte da Europa que vieram o meu país e, ao contrário de mim, só pagam 10% de IRS sobre os seus rendimentos, não poderia estar revestida de maior injustiça que aparentemente urge corrigir.
Será certamente capaz de conquistar invejável número de aderentes votantes. No entanto talvez seja prudente utilizarmos a nossa capacidade e competências para processar algumas informações complementares.
O nosso país não é rico e isso reflete-se nos impostos que todos pagamos com o objetivo de dotar o nosso país dos recursos necessários para assegurar que temos professores com os vencimentos em dia, médicos suficientes, unidades hospitalares adequadas, valores de reformas adequados a uma vida digna e com o mínimo de segurança e conforto, e ausência de pobreza na nossa sociedade.
Acontece que “aquele” casal de reformados que veio para Portugal com o incentivo do tal “bónus” fiscal, consome diariamente produtos e serviços no nosso país, paga impostos sobre todos eles, contribui para o crescimento da nossa Economia, veio incrementar o número de cidadãos contribuintes em Portugal e, no final, é um facto, tem um bónus fiscal. Alguns dados conhecidos apontam mais de 2.000 milhões de euros de receitas de IVA, IUC, IMI, IMT e outros, sem considerar os valores liquidados em IRS, cobrados aos residentes não habituais.
Na crise habitacional o seu impacto é irrelevante (foram cerca de 54.000 em 15 anos), na crise económica o seu impacto terá grande relevância, na captação de votos, aí, o sucesso será garantido.
Serão desastrosas as consequências para as estruturas que contam com aqueles que vieram trabalhar para Portugal atraídos por uma taxa de IRS de 20%, como desastrosa tem sido a saída de jovens licenciados de Portugal, 194.000 jovens licenciados entre 2010 e 2020 - há estimativa de que tenham custado ao Estado Português 18.6 mil milhões de euros -, e que hoje se encontram a contribuir para o desenvolvimento económico de outros países.
Podemos orgulhosamente pensar que não queremos ou que não precisamos, ou mais ardilosamente entender, que objetivos misteriosos já foram cumpridos, pelo que chegou a hora para o fim do programa cuja consequência mais relevante tem sido essencialmente incrementar os recursos financeiros de Portugal.
É claro que Portugal irá perder receita fiscal e competitividade perante 28 projetos de atração de talentos de alto valor existentes nos 27 membros da União Europeia, e também é claro que este fim anunciado terá capacidade para captar muitos votos.
Seguramente, como nunca, temos de nos concentrar no valor do nosso voto e o que com ele fazer.