Cláudia Sousa Monteiro
Cláudia Sousa Monteiro
Gestora de Projetos na ADENE – Agência para a Energia e membro do Grupo de Coordenação da ELPRE

Quão verdes serão os edifícios em 2050? Uma perspetiva da estratégia atual em matéria de renovação energética

04/05/2022

Nesse sentido, o setor dos edifícios será fundamental para garantir que se atinjam os objetivos climáticos a que nos propusemos até 2050. Só na Europa, os edifícios são responsáveis por 40% do consumo de energia e por 36% das emissões de gases de efeito de estufa.

Neste contexto e de forma a acelerar a eficiência energética dos edifícios e a torná-los mais “verdes”, a Comissão Europeia tem vindo a lançar ao longos dos anos um conjunto de iniciativas como o Pacto Ecológico Europeu e a Vaga de Renovação, que depois se traduzem em instrumentos concretos para este sector (como por exemplo a Diretiva para o Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD) e a Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios (ELPRE).

Acontece que a eficiência energética do parque de edifícios existente em Portugal (em linha com o que acontece também na Europa) é bastante baixa, sendo que cerca de dois terços dos nossos edifícios foram construídos antes de 1990, ou seja, antes da existência de quaisquer requisitos de eficiência energética. Acresce que a percentagem de edifícios reabilitados, nomeadamente aqueles em que se inclui um upgrade do seu desempenho energético, para além de ser uma grande incógnita, estima-se que seja anualmente muito baixa.

Neste sentido, de forma a apoiar uma profunda renovação energética do parque nacional de edifícios existentes em edifícios com necessidades quase nulas de energia (nZEB) e com vista ao cumprimento dos objetivos nacionais e europeus em matéria de energia e clima, Portugal publicou em 2021 a sua ELPRE, onde são assumidos um conjunto de compromissos e metas nacionais para atingir a neutralidade carbónica até 2050.

Num (muito) breve resumo, a ELPRE materializa-se em 4 “pacotes de medidas de melhoria” dos edifícios (que incluem, por exemplo, o isolamento de paredes e telhados, substituição de janelas, substituição/aquisição de equipamentos altamente eficientes e integração de energia proveniente de fontes renováveis) e 7 eixos de atuação que se traduzem em 146 políticas e ações concretas. Em termos de investimento necessário para a sua concretização, estima-se que serão necessários, até 2050, cerca de 143 mil milhões de euros distribuídos entre os pacotes de medidas de melhorias aos quais acrescem 5,5 mil milhões de euros de investimentos adicionais em Sistemas de Automação e Controlo dos Edifícios (SACE).

Na ELPRE “fala-se” muito de energia, mas num contexto português em que as pessoas passam frio nas suas casas porque quase 20% da população tem dificuldades financeiras para manter as suas casas adequadamente aquecidas no Inverno, a redução dos consumos de energia e a descarbonização do parque de edifícios existente tem de ser uma consequência. Isto significa que os nossos esforços devem ser direcionados, em primeira instância, para o aumento do conforto térmico, sendo a redução dos consumos e da fatura energética também uma consequência dessa abordagem. Este critério foi um dos faróis no desenho desta estratégia, particularmente no sector residencial e nos edifícios com pior desempenho. Mas também não nos podemos esquecer dos outros setores, como os edifícios da Administração Pública que podem e devem dar o exemplo (trazendo implicações positivas para todos nós) e os edifícios não-residenciais que, sendo grandes consumidores, é também neles que reside um grande potencial de poupança.

Ainda na ELPRE, que se quer mais abrangente do que “só” energia, também se fala de eficiência hídrica, saúde, produtividade laboral e aumento do valor das propriedades. Sim, porque o investimento na reabilitação energética dos edifícios estimula os chamados “co-benefícios”, particularmente associados ao sector da construção seja através de criação de mais postos de trabalho, o aumento da procura de novas soluções e equipamentos mais eficientes, ou simplesmente na melhoria da qualidade de vida dos ocupantes destes espaços.

Mas o que agora está gizado na pedra não pode ser apenas para “Europeu ver”, é preciso colocar-se em prática esta expedição digna dos Descobrimentos portugueses do séc. XXI. E para concretizarmos todos os compromissos a que Portugal se propôs, vai ser necessária a ambição e o empenho de todos (cidadãos, empresas, decisores políticos, etc.). A situação pandémica trazida pelo COVID-19 veio alertar-nos para a necessidade de irmos ainda mais além, sendo necessário garantir uma resiliência da economia que nos permita conseguirmos recuperar rapidamente quando somos atingidos por uma crise, seja ela sanitária, climática ou de outra qualquer natureza. E para isso, temos de nos tornar mais verdes e mais digitais muito mais depressa, apostando na circularidade dos nossos recursos e na democratização do acesso de todos à habitação (não só físico como financeiro) e à energia para estarmos mais bem preparados para o futuro.

E o futuro é hoje, o que significa que não podemos esperar (menos de) 30 anos para descarbonizar, mitigar a pobreza energética, aumentar o conforto térmico e reduzir a fatura energética de todo o parque de edifícios existentes (coisas que nos parecem óbvias nos dias que correm, num país desenvolvido e europeu) e no caminho ainda teremos de refletir na importância de fazermos uma transição justa e inclusiva, considerando também a componente estética, que tem sido deixada para segundo plano em detrimento de outras “prioridades”.

Os dados estão lançados, agora cabe-nos a nós vencer este jogo.