De acordo com os Censos de 2021, cerca de um terço dos edifícios em Portugal apresenta deficiências que exigem intervenções de conservação e reabilitação. Assim, seria expectável que a reabilitação urbana fosse tratada como uma prioridade na política habitacional e fiscal.
Contudo, a carga fiscal constitui um dos principais entraves à promoção da habitação. Em 2024, as receitas do Estado com IMT, IMI e AIMI ascenderam a cerca de 3.379,7 milhões de euros — mais 75% do que há 10 anos. A este montante somam-se impostos como o IVA, IRC, Imposto de Selo, IRS e taxas municipais, configurando um quadro de sobrecarga fiscal que desincentiva o investimento privado e agrava o acesso à habitação.
No que ao IVA diz respeito, a situação agravou-se significativamente com a publicação, na semana passada, do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA). Esta interpretação da lei, já seguida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, impõe a existência prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana (ORU) formalmente aprovada, como condição para aplicação da taxa reduzida de 6%. Em causa, está mais uma limitação que se junta aos anteriores critérios fixados para as Áreas de Reabilitação Urbana (ARU).
Esta nova exigência, que restringe o alcance deste incentivo, representa um encargo fiscal injustificado e contraria frontalmente o espírito da legislação nacional e europeia, que visa precisamente fomentar a reabilitação urbana como um instrumento de regeneração dos centros históricos, de melhoria das condições habitacionais e de promoção da eficiência energética.
As consequências práticas são graves e imediatas. Desde logo, há um aumento significativo dos encargos para empresas e promotores, com a taxa de IVA a passar de 6% para 23%, em muitas empreitadas, desincentivando a reabilitação urbana. Além disso, vários investimentos previamente planeados poderão ser adiados ou anulados.
Acresce, com particular gravidade, o facto de o acórdão produzir efeitos retroativos, permitindo à Autoridade Tributária reavaliar declarações fiscais desde 2021. Isto poderá resultar na exigência de reposições de IVA e na aplicação de coimas e juros a empresas que, agindo de boa-fé, aplicaram a taxa reduzida de acordo com o entendimento até então vigente.
A AICCOPN defende uma atuação urgente por parte do Governo que corrija os efeitos deste retrocesso e elimine a exigência de uma ORU como condição para a aplicação da taxa reduzida de IVA nas empreitadas de reabilitação urbana. É igualmente essencial assegurar que este novo entendimento não produza efeitos retroativos, salvaguardando as empresas que agiram em conformidade com o regime anteriormente em vigor. A estabilidade fiscal e a segurança jurídica são condições fundamentais para restabelecer a confiança dos investidores e assegurar uma resposta sustentada aos desafios estruturais do mercado habitacional.