Um dos artigos refere que proprietários de Alojamento Local têm até hoje para provar que as suas unidades estão ativas e em exploração, sob pena de a sua autarquia as cancelar definitivamente; e, um outro, destaca que em 2024 a única alteração permitida para contratos celebrados antes de 1990, será a atualização dos valores das rendas decorrente da fórmula baseada na evolução da taxa de inflação. Só e apenas esta será permitida.
Com estas medidas, parece-nos que o Governo está disponível para sacrificar princípios e valores de justiça e equidade que devem ser preservados.
Em primeiro lugar, uma atividade não pode ter o seu futuro dependente do facto de ter ou não ter tido atividade durante determinado período. Não se pode penalizar quem decide fazer uma interrupção. Quem, por motivo de força maior, ou de decisão de fazer uma paragem na sua atividade, não pode a partir de agora ter receio de que ao fazê-lo, o Governo de Portugal pode alterar o compromisso anteriormente assumido. Devemos prezar o valor do compromisso. Além disso, o futuro de uma atividade não deve depender da existência ou inexistência de fundos financeiros do seu fundador. Ora, se um Alojamento Local tiver sido aberto com o fruto das poupanças de um indivíduo ou família, e um outro tiver como base um crédito hipotecário a 30 anos, a sua legitimidade difere? Não. Assim, percebemos que estamos, mais uma vez, a sacrificar o princípio da equidade.
Em terceiro lugar, uma atividade não pode depender do espírito altruísta do seu responsável. Quem tem um imóvel que nunca entrou no mercado de arrendamento e amanhã decide arrendá-lo, tem praticamente “via verde” para atuar no mercado. Por outro lado, um proprietário que tenha dois ou três imóveis que sempre estiveram no mercado de arrendamento, terá de ver a sua renda limitada a alterações de 2%. Estamos dispostos a penalizar quem colabora e premiar quem não o faz, pondo em causa, mais uma vez, a equidade? Qual a justiça desta decisão?
Por último, os nossos direitos e deveres não se devem compaginar com princípios de antiguidade. Por que razão quem arrendou uma casa antes de 1990 tem o direito de não ter a sua renda aumentada, e quem o fez depois dessa data não tem? O princípio deve ser, sempre, o de acautelar a segurança financeira de quem está mais fragilizado, tendo em conta as suas reais necessidades, e não critérios de antiguidade absolutamente cegos e que sacrificam o mais elementar princípio de equidade.
Qualquer legislação que ponha em causa princípios básicos de justiça e valores devem ser alertas. Talvez seja altura de estarmos verdadeiramente atentos a estes sinais, pois não nos esqueçamos que foram muitos os sinais, e muito errados, que foram dados em países como a Argentina, Itália, Polónia, entre tantos outros.
É óbvio que quem legisla tem sempre o desafio de conciliar opções opostas, mas não deve pôr em causa determinados valores que têm sido uma parte estruturante das nossas vidas.