Só que este desconto foi desproporcional face à quebra de vendas real, que foi de apenas 8% (dados INE) e mesmo as vendas declaradas das lojas (dados APCC) apenas registaram uma quebra de 34% (número que aliás se suspeita ser menor, só que os centros comerciais não têm acesso independente e automático às vendas das lojas). Ora, os números falam por si. A desproporção é evidente. Além do mais, é obvio que a quebra 8% foi largamente compensada com o incremento das vendas online. Segundo o Euromonitor, estas aumentaram 53% em 2020.
Ou seja, os descontos foram atribuídos de forma cega, desproporcional e não foram canalizados para quem realmente necessitava. Tinha sido necessário analisar caso a caso, para ver quem realmente precisava. Houve grandes grupos económicos mundiais, verdadeiras multinacionais do retalho, empresas que apresentaram lucros avultados em 2020, que beneficiaram, indiscriminada e ilegitimamente, deste tipo de descontos. Perguntamos: dar descontos nas rendas, por motivos de ajuda, ao “homem mais rico do mundo”, aos maiores grupos de moda mundial, faz algum sentido? Uma das principais cadeias de moda internacional duplicou a média de vendas online em 2020, apresentando um EBITDA de € 5,2 mil milhões (menos 8% que em 2019). Precisa de ajuda? Estas lojas receberam e continuam a receber descontos significativos nas rendas em Portugal, mesmo apresentando lucros colossais. Aliás, € 400 milhões dos € 600 milhões de descontos foram para fora de Portugal.
Por isso, insistimos: os apoios devem ser baseados em critérios justos e objetivos, focados em quem realmente precisa. Mais, os descontos foram dados sem qualquer critério, por exemplo sem a exigência da manutenção de emprego, incluindo aos principais players do sector do retalho que registaram lucros significativos. Está afinal a maioria do nosso Parlamento preocupada com os postos de trabalho, ou com a manutenção do lucro dos grandes grupos económicos?
Por outro lado, o Estado obrigou mais uma vez os proprietários, neste caso dos centros comerciais, a exercer uma obrigação que deve ser só sua, que é a de assegurar a Função Social do Estado e ao invés aqui vigorou, uma vez mais, a “Função Social do Proprietário”. Estes proprietários foram forçados a substituir o Estado no apoio ao pagamento de renda dos lojistas. Os descontos a que foram obrigados a dar foram completamente desproporcionais face a outros apoios do próprio Estado. Segundo dados da APCC e da Direcção-Geral do Orçamento, os apoios dados pelos centros comerciais foram muito superiores aos dados pelo Estado, já que na verdade eles representaram, por exemplo, mais 70% do custo que o layoff custou na totalidade ao Estado português.
Mas toda esta situação é ainda mais grave, se considerarmos que a eliminação da renda fixa não teve paralelo noutros países europeus. Se consideramos que, em momentos de lockdown, os centros comerciais portugueses foram obrigados a dar 100% de desconto nas rendas e em períodos de desconfinamento, essa redução chegou aos 50%, basta comparáramos com Espanha e Alemanha, que apenas registaram um desconto de 50% em lockdown (contra os nossos 100%) e 0% em desconfinamento (contra 50% em Portugal), ou Itália que apenas registou um desconto de 40% em lockdown (contra os nossos 100%) e 15% em desconfinamento (contra 50% em Portugal). O benchmarking não deixa mentir.
Mas se tudo isto não bastasse, pasme-se pois a lei que obrigou a dar descontos é inconstitucional, devido à sua desproporcionalidade, desigualdade e clara violação da propriedade privada e da iniciativa económica, conforme prova a posição da Provedora de Justiça, que afirmou isso mesmo com um pedido de inconstitucionalidade para o TC.
Aqui chegados, face a mais de € 600 milhões de descontos (inconstitucionalmente) dados de forma indiscriminada, cega a quem não precisava, que beneficiaram os maiores grupos económicos do mundo e portanto sem a menor necessidade de qualquer auxílio, ajudas estas que superam em muito as reais quebras do sector e por fim depois de reportados avultados prejuízos por importantes pilares empresariais do nosso tecido empresarial e que por isso fazem temer o real risco de recessão económica e do desemprego no nosso País, é tempo de dizer: consequência de tudo isto, este sector também vai precisar do apoio do Estado!
Os centros comerciais não têm mais capacidade para continuar a apoiar de forma cega as lojas que não precisam de qualquer tipo de apoio. É crítico, neste momento, o apoio às lojas verdadeiramente carenciadas, à semelhança aliás do que foi feito no resto da Europa. Mas lançamos o alerta, todas as ajudas devem ser focadas em quem precisa e com obrigação da manutenção da atividade e do emprego.