O regime especial de reclassificação de solos, que permite transformar terrenos rústicos em urbanos, mediante deliberação das câmaras e assembleias municipais, pretende aumentar a oferta de solo destinado à construção de habitação. Uma medida que, alinhada com o programa “Construir Portugal”, inclui a exigência de que pelo menos 70% da área total de construção seja destinada a habitação pública ou de valor moderado, com o intuito de criar maior equidade no mercado habitacional.
Embora esta abordagem represente um sinal de vontade política para enfrentar a crise de acesso à habitação, é importante refletirmos sobre os desafios e limitações que se colocam.
Não podemos ignorar que Portugal é um dos países da OCDE com menores índices de licenciamento de construção – um problema estrutural que transcende a questão da disponibilidade de solos. As morosas burocracias associadas aos processos de licenciamento são um entrave crítico ao aumento da oferta habitacional. Por isso, a reclassificação de terrenos rústicos, isolada de outras medidas, será insuficiente para resolver a crise. Mais do que alterar a classificação de solos, é necessário um pacote integrado de políticas que inclua a agilização dos processos administrativos, a disponibilização de terrenos e imóveis públicos para habitação e incentivos fiscais que atraiam os privados para este mercado.
Outro ponto essencial é a sustentabilidade. A transformação de solos rústicos para urbanos deve ser feita com o maior rigor possível, tendo em vista a proteção das áreas classificadas como Reserva Agrícola Nacional (RAN) e Reserva Ecológica Nacional (REN) – que desempenham um papel importantíssimo na preservação ambiental, no combate à desertificação e na promoção da resiliência climática. Qualquer solução habitacional que comprometa estes equilíbrios ecológicos é uma medida contraproducente.
É fundamental que o Estado assuma um papel mais ativo na execução de parcerias público-privadas, que podem ser cruciais para dinamizar o mercado habitacional, garantindo que os custos de infraestruturação dos novos terrenos sejam sustentáveis. Simultaneamente, é imperativo que se avancem com políticas como a redução do IVA na construção de habitação acessível e a criação de um sistema de incentivos que promova o mercado de arrendamento, ajustando-se às dinâmicas contemporâneas da sociedade.
A nova Lei dos Solos pode ser um pequeno passo para enfrentar os desafios do mercado habitacional em Portugal, mas está longe de ser uma solução impactante. Mais do que uma "mudança estrutural", parece tratar-se de um contributo tímido num contexto que exige medidas corajosas e articuladas. Mais do que construir casas, precisamos de construir um futuro onde habitar em Portugal seja um direito e não um privilégio.