Carlos Suaréz
Carlos Suaréz
Administrador da VICTORIA Seguros

Sismos em Portugal? Não é se, é quando.

27/09/2023

É claro que a sismicidade corrente em Portugal se reveste de frequência, mas não de gravidade (várias dezenas de movimentos de baixa intensidade, entre os dias 16 e 23 de setembro, assim o testemunham). No entanto, também já ocorreram sismos de grande magnitude num passado recente, como foi demonstrado nos anos 1969 (Algarve e Lisboa), 1980 (Angra do Heroísmo) e 1998 (Faial). Dito por outras palavras, o risco de um terramoto com potenciais consequências danosas graves para os bens e as pessoas é real e, portanto, deve ser tomado em (séria) consideração. Como alguém escrevia num artigo que já li há algum tempo “não é se, é quando”.

A pergunta inevitável que me faço, portanto, é se as tais pessoas e bens estariam corretamente salvaguardados, no caso de isso acontecer. Em termos de novas edificações (projetadas e construídas de raiz), poder-se-ia admitir que a legislação antissísmica em vigor é suficiente para acautelar o risco. Por outra parte, no que diz respeito às obras reabilitação urbana, defende-se, há anos, a implementação obrigatória do projeto de reforço antissísmico em toda e qualquer intervenção, nomeadamente nos núcleos habitacionais com maior densidade. Sem embargo, não seria lógico pensar que a legislação, só por si, é garante de uma proteção real, pois sabe-se que a sua efetividade não se determina tanto pela abrangência ou qualidade das suas redações como pela sua ajustada aplicação. Nesse contexto, poder-se-ia habilitar um novo espaço para certificar – nas obras novas e de reabilitação, pela via de uma entidade técnica independente – a correta conceção do projeto e execução dos trabalhos em matéria antissísmica.

Já no tocante ao parque edificado, também há anos que se solicita pelos peritos em sismologia e gestão do risco imobiliário uma certificação sísmica, em linha com os sobejamente conhecidos certificados de eficiência energética. Dessa forma, atribuir-se-iam classificações de risco e desenhar-se-iam planos de ação e contingência que permitissem geri-lo; as primeiras, por entidades técnicas independentes e os segundos pelos proprietários. 

Aceitando que possa ser essa a teoria que tenderia a normalizar a gestão do risco sísmico e materializar a suficiente (que não completa) proteção de pessoas e bens na eventualidade de um abalo de magnitude considerável em Portugal, o exercício passaria, a seguir, pelo contraste com a realidade. E a realidade é que não se percebe um enorme interesse do lado do legislador para avançar por aí. Apenas como exemplo, note-se que o celebérrimo pacote legislativo “Mais Habitação” não dedica (salvo erro da minha parte) nem uma palavra à gestão do risco sísmico. Por outro lado, o não menos afamado fundo sísmico com um papel ativo do Estado – proposto até à exaustão pela Associação Portuguesa de Seguradores, na base da inclusão obrigatória da cobertura de sismo em seguros de proteção da habitação – não tem tido a preponderância desejada na agenda política, mesmo levando em linha de conta a relativamente recente recomendação da Assembleia da República ao Governo para a criação dum fundo de garantia relacionado com os riscos climáticos e sísmicos.

Tampouco o consumidor final aparenta estar excessivamente preocupado com a gestão e transferência do risco sísmico que afeta o seu património – apesar dos constantes alertas nas diversas formas de comunicação social – se tomarmos em consideração que apenas a quinta parte das habitações em Portugal conta com um seguro que incorpore a cobertura de sismo.

Eu posso estar enganado, evidentemente, mas, perante as evidências assinaladas, tenho a convicção de que, como sociedade, não observamos o cenário de um abalo sísmico de magnitude da forma que o deveríamos fazer. A possibilidade de sofrermos um terramoto grave com impactos desastrosos a múltiplos níveis não é coisa do passado nem de geografias “menos evoluídas”… E também não é uma fatalidade nem um evento que se deva deixar ao acaso. O risco sísmico no nosso país é real, substantivo e merecedor da maior consideração, pelo que urge aumentar o alinhamento das vontades público-privadas e intensificar os esforços de materialização das iniciativas em curso, de modo a capacitarmo-nos para o gerir. Qualquer outra atitude mereceria a qualificação de irresponsável. 

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