Carlos Suaréz
Carlos Suaréz
Administrador da VICTORIA Seguros

Se o status quo não resolve o problema, porque não pensar em algo diferente?

21/02/2024

Estranhamente, não pela via das discussões relativas ao Simplex Urbanístico – recorde-se que o DL 10/2024 se insere no pacote Mais Habitação e que tem como um dos seus objetivos declarados criar “condições para que exista mais habitação disponível a custos acessíveis” – mas, antes, pelo aparente incremento (dados trimestrais) do parque habitacional disponível para arrendamento. Com independência dessa tendência se consolidar ou não – ressalve-se que, segundo o INE, o número de novos contratos para arrendamento diminuiu, ao passo que a renda mediana aumentou – o que me parece interessante é que a oferta de casas para arrendamento venha ao debate público.

Portugal tem sido, historicamente, um país com um mercado imobiliário de compra, mas há quem diga que essa realidade está prestes a mudar, muito por força das alterações demográficas, sociológicas e legislativas, mas, ainda mais importante, pela falta de capacidade financeira das famílias para continuar a adquirir casas. Se esse vaticínio for correto, defrontar-nos-íamos, então, com a escassa oferta do mercado imobiliário de arrendamento que, no nosso país, poderia estimar-se à volta dum terço do total (Eurostat revela que, em 2021, 22% dos agregados familiares portugueses viviam de aluguer), e que, no curto-médio prazo, significaria um desalinhamento com a procura (inexistência de resposta) e tensionamento dos preços das unidades disponíveis.

Deixando de lado a conjeturada eficácia das iniciativas legislativas apresentadas para aumentar o parque habitacional, julgo relevante pensar sobre o que o setor privado da promoção imobiliária poderia propor aos seus interlocutores, face à situação de desalinhamento, no intuito de ir ao encontro das tendências do mercado habitacional, sem sacrificar o espírito empresarial. Nesse sentido, parece-me que se torna obrigatório voltarmos a olhar para os modelos de promoção e construção para o arrendamento (Build-to-Rent – BTR), em complemento do setor privado de arrendamento. É claro que existem entraves ao desenvolvimento de iniciativas privadas nesse âmbito (instabilidade legislativa, excesso e volatilidade da carga impositiva, falta de incentivos específicos, custo de oportunidade…), mas apresenta-se, igualmente, uma boa hipótese de criar valor no negócio para investidores, promotores e utilizadores, através de certos modelos de investimento alternativos.

Assim, o modelo BTR incentiva a produção de imóveis de alta qualidade técnica e construtiva, em linha com as últimas exigências regulamentares, dotados de excelentes equipamentos, comodidades e serviços de gestão profissional, que permitem a captação de inquilinos de longa duração, economias de escala típicas de ativos com maior concentração habitacional e a minimização das despesas de investimento e manutenção a longo prazo. Por outra parte, o promotor imobiliário beneficia duma interlocução simplificada com o investidor e dum aumento de produção por via da estandardização dum produto que se coloca mais rapidamente no mercado, sem riscos de comercialização. Não obstante as vantagens elencadas, nenhum modelo é perfeito e o do BTR apresenta fragilidades, sendo a mais evidente que as caraterísticas da operação e o seu retorno diluído no tempo apenas atraem um determinado tipo de investidores.

Assim sendo, cabe perguntar-se por que motivo outros países do nosso entorno têm vindo a desenvolver níveis de investimento no modelo BTR, como é o caso da Espanha, com valores próximos dos €3.000M, no último lustro. Por um lado, percebe-se o interesse dos fundos internacionais especializados no BTR. Por outro, fica claro o peso da intervenção pública, na forma duma colaboração público-privada (solo público leiloado entre promotores), na elaboração de regulamentação que proteja o investimento a muito longo prazo (direitos de superfície de 45 anos) ou no impulsionamento de planos específicos de construção e exploração de habitação através do modelo BTR.

Evidentemente, a questão que se segue é se nós, por cá, poderíamos replicar esse desempenho. Os exemplos de sucesso noutras geografias raramente deveriam entender-se como uma linha a seguir, mas, talvez, constituam uma base de reflexão. Se o status quo não resolve o problema, porque não tentar pensar em algo diferente?