Hugo Santos Ferreira
Hugo Santos Ferreira
Presidente da APPII

Um travão cego à atualização das rendas será também um travão à economia

04/10/2023

Impor um travão ao aumento das rendas também em 2024 é uma medida forte cujas consequências vão se fazer sentir não só no próximo ano, mas também nas próximas décadas. Por ser um tema por demais relevante, pela sua atualidade e pela forma como o executivo não está a ser claro nas suas intenções para 2024 convido os leitores a me acompanharem nesta reflexão.

Ora vejamos, a evolução das rendas desde que existe o Novo Regime do Arrendamento Urbano – NRAU - esteve sempre indexada à variação dos últimos 12 meses do Índice de Preços no Consumidor (IPC). O ano passado foi imposto um limite máximo de 2% ao aumento do valor das rendas. Os dados do INE indicam que, para 2024, a taxa para atualização das rendas seria de 6,94%. Como se abriu um precedente em 2023, já é notícia que no próximo ano o mesmo travão irá ver a luz do dia. É uma consequência clara da falta de uma estratégia para a política de habitação em Portugal e, também e não menos grave, da instabilidade fiscal que se vem agravando ano após ano.

Detalhando mais esta questão, importa saber quais as regras para a sua aplicabilidade e qual o valor do limite que irá ser definido. Reforço este ponto porque, no ano passado, a limitação das rendas para imóveis criada para proteger - teoricamente - os inquilinos, foi também englobada no mercado de arrendamento não residencial. 

Quer isto dizer que em 2023 os contratos de arrendamento para fins não residenciais, viram a atualização do valor da sua renda limitado a 2%: Aqui importa destacar que falamos, por exemplo, de superfícies comerciais detidas por grandes cadeias de retalho, empresas multinacionais, que ao serem beneficiadas por esta medida estão a sê-lo em prejuízo dos senhorios, que neste caso são normalmente particulares ou pequenas empresas, ou seja, pela sua escala, a parte mais vulnerável desta relação comercial.

O travão à atualização das rendas também no segmento não habitacional é uma ameaça ao desenvolvimento económico. Se realmente se se verificar a aplicação desta medida (nos mesmo moldes que em 2023), de forma cega e com aplicação generalizada, estamos como já referi a proteger gigantes económicos com prejuízo para todos os contribuintes. Mais, estaremos a acentuar ainda mais a perda de confiança por parte dos proprietários para colocarem os seus imóveis no mercado de arrendamento. Destaco ainda que esta medida tem também um reflexo direto na área da logística, com a perda de grandes parques industriais originada pela retração deste mercado, consequentemente, estamos a limitar a criação de riqueza e de novos postos de trabalho, que o País e os portugueses tanto carecem.

A retórica funciona bem quando é aplicada de forma concreta, e quando nos leva a pensar na real raiz do problema, e se encontramos aí a chave para a resolução do problema. Se não fizermos a pergunta certa, não teremos a resposta que resolve os problemas reais. Então, a pergunta que se coloca é: queremos travar o aumento das rendas de forma cega e sem critério? E, assim travar o desenvolvimento económico do país? Ou, por outro lado, queremos olhar para a medida de forma clara e consciente e não condicionar o desenvolvimento de negócios, a criação de novos postos de trabalho e, consequentemente, aumentar a riqueza do nosso país?

A APPII tem conhecimento que vários projetos económicos de várias áreas dentro do mercado de arrendamento não residencial, deixaram de ser realizados devido a esta medida, que está assim a ter graves repercussões no desenvolvimento económico. Reitero, o que tenho vindo a dizer e que não me canso de repetir: a estabilidade económica só se alcança quando há estabilidade legislativa, e neste momento, com leis a mudarem com uma periodicidade quase anual, essa estabilidade não se verifica.

Até quando? Até quando vamos continuar a ter esta instabilidade legislativa com o lançamento de medidas soltas que prejudicam - e muito - a economia nacional? Estas medidas resolvem o problema da habitação? Vão colocar no curto ou médio prazo mais casas no mercado? A resposta é por demais evidente e preocupante…