Hugo Santos Ferreira
Hugo Santos Ferreira
Presidente da APPII

A utopia made in Canadá e o investimento estrangeiro

18/01/2023

Na Europa, há dias, o Eurostat publicou o estudo “Housing in Europe”, que revela que desde 2013 o preço das casas na União Europeia subiu 37%, e que a maioria da população vive em casas sobrelotadas. Estes dois dados são, por si só, reveladores! Contudo a situação da habitação em Portugal é um problema “crónico” que soma especificidades extra a esta equação e que tornam este problema ainda mais premente.

A meu ver, a questão que se levanta, no Canadá, em Portugal e nos restantes países da UE, é se são medidas como estas que vão levar a uma descida do preço das casas? Mais, a resposta para a resolução de um problema tão complexo como o da habitação, transversal a todo o país e de certa forma a todas as classes sociais, assenta numa só medida? Vejamos então:

Começando pelo exemplo dos denominados Golden Visa, o peso das transações imobiliárias decorrentes desta medida é reduzido. Entre 2013 e 2020, o investimento em imóveis para obtenção de uma ARI (Autorização de Residência para Atividade de Investimento) teve um peso de 3,8% no montante total de venda de casas em Portugal. Mesmo que assumissemos que a totalidade destas vendas tivesse sido concentrada nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, chegaríamos à conclusão que representariam pouco mais de 6% do total.

Acresce que o número de transações imobiliárias, no segmento residencial por não residentes, é igualmente diminuto. Dados recentes do INE apontam para cerca de 10%, ou seja, 90% do volume de vendas de casas em Portugal é realizado por residentes em território nacional. Adicionalmente, nos últimos três anos, cerca de 85% do volume de vendas de casas em Portugal é absorvido por famílias. E, os valores registados na área metropolitana de Lisboa estão totalmente em linha com o mercado.

A construção de novos fogos não tem acompanhado o ritmo da procura. No período entre 2010 e 2021 construíram-se menos 15% do que os fogos construídos entre 1995 e 2010.

Por último, o peso fiscal do preço de venda de uma casa é elevado, e entre imposto, taxas e outras taxas mais o peso da taxação na compra de uma habitação nova situa-se entre os 30% e os 40%, podendo em alguns casos ser superior e rondar os 50%.

Casas para as famílias portuguesas, já!

Há vários anos que a APPII tem chamado a atenção de todos os stakeholders do mercado para o problema da habitação, especialmente do parlamento e das autarquias, pelo papel que desempenham nesta equação. De facto, o problema da habitação em Portugal não é novo e, nos últimos anos foi agravado pela aposta – e bem – que se realizou no turismo como um dos clusters da nossa economia, e, por uma situação económica, social e sanitária que trouxe novos desafios ao país e ao mundo.

Querer cingir o estado atual da habitação em Portugal ao investimento estrangeiro é negar uma evidência: Nas últimas décadas o poder político não tem tido qualquer capacidade de amenizar o contexto atual dos preços das casas. Seja a providenciar oferta no mercado, seja a disponibilizar habitação a custos controlados, ou mesmo – e não menos importante – a gerar as condições para que outros o façam.

Mais preocupante ainda é o facto de os portugueses não terem no mercado de arrendamento uma alternativa que dê respostas aos seus problemas com a habitação. Este mercado é ilíquido, caro e fragmentado. Peca por excesso de regulação em algumas áreas e défice noutras.

Os problemas em torno da habitação em Portugal estão identificados, mas subsistem. Nada foi feito em prol do licenciamento célere, da simplificação dos impostos e das taxas, da criação de vias para promover a habitação acessível e o mercado de arrendamento. Agora, quando o problema se agudiza, a solução para a resolução de todos estes problemas está na proibição de venda de imóveis aos residentes não habituais? É tempo de olhar de frente para o problema, unir esforços e agir! Iniciar um novo caminho feito de soluções e não de deslumbramentos.